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FORA DA POLÍTICA, RESTA A BARBÁRIE

Publicado pela ABTLP

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Vivemos tempos difíceis. A atual crise política e econômica tem contornos de verdadeiro apagão ético e decolapso do nosso sistema de governança.

Depois do movimento popular das “Diretas Já” (84) e da “Constituição Cidadã” (88) – para usar a expressão de Ulysses Guimarães ao promulgá-la –, criou-se um sentimento mais ou menos generalizado de que havíamos, finalmente, superado o atraso secular da nossa organização social e política; que estávamos a caminho de nos tornar um país moderno. Tudo indicava que tínhamos achado o caminho; que era só uma questão de tempo para que o amadurecimento das nossas instituições e o livre trânsito de ideias e informações, numa sociedade democrática, nos elevassem ao patamar das nações plenamente desenvolvidas.

Nem mesmo os acontecimentos que levaram ao impeachment/renúncia de Collor (92) abalaram essa impressão, que veio sendo confirmada, ao longo do tempo, por conquistas tais como: a estabilização da moeda, a lei de responsabilidade fiscal, a inclusão social de milhões de brasileiros, a melhoria de vários indicadores sociais, os avanços na infraestrutura, a chegada do Brasil ao G-7, o grau de investimento e tantas outras.

Eis que fatos mais recentes, que só agora começam a se tornar públicos, ameaçam reduzir a pó todos esses avanços e nos restituir ao velho “complexo de vira-latas”, de que falava Nélson Rodrigues. A meu ver, o mau humor nacional, que se torna cada vez mais estridente, é fruto dessa frustração. Vivemos a síndrome do sonho interrompido. Daí este clima de desarmonia e beligerância.

Um observador isento, que navegue por sites e blogs “militantes”, independentemente das tendências que representem, ou que faça um rápido passeio pelas redes sociais, concluirá que estamos à beira de uma ruptura institucional, prestes a viver uma guerra civil. Pelo menos o clima para isso está sendo criado. Preocupa-me quando vejo pessoas de bem, normalmente equilibradas, destilando um ódio visceral e entrando por um caminho sem volta, que não prenuncia nada de bom para o país, para a estabilidade de suas instituições e para o desenvolvimento das atividades econômicas.

Reconheço que é de virar o estômago de qualquer pessoa decente, além de acompanhar os lances da “Operação Lava Jato”, assistir ao festival de hipocrisia que é encenado, hoje em dia, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. A política – aqui e em qualquer lugar do mundo – tem momentos que chegam a justificar a guilhotina da revolução francesa, colocando no mesmo balaio governo, oposição e apaniguados de ambos os lados…

Mas, fora da política, resta a barbárie. É preciso apostar no sistema de pesos e contrapesos que caracteriza a democracia. A lógica interna do sistema faz com que as tensões de um desequilíbrio momentâneo engendrem as condições para a sua superação.

O que não faz o menor sentido – e vejo crescer de forma preocupante – é o proselitismo da quebra da ordem constitucional, pela intervenção das Forças Armadas e estabelecimento de um governo de exceção.

Já basta a vergonha que estamos passando perante o resto do mundo, pelos escândalos que pululam na mídia todos os dias e pela incompetência que o Brasil vem demonstrando na superação das crises econômica e política. Seria triste demais que, além de tudo, voltássemos a viver sob a tutela de uma ditadura militar, algo absolutamente anacrônico, a nos colocar no mesmo estágio político de alguns dos países mais atrasados do mundo.

Mesmo porque saltam aos olhos inúmeros exemplos de que as nossas instituições, apesar de tudo, estão funcionando – em muitos casos, graças aos avanços propiciados pela Constituição de 88 (apesar dos seus atrasos em outros campos).

Temos um Ministério Público independente e uma Polícia Federal cada vez mais preparada, atuando duramente contra políticos e empresários que cometeram delitos contra o Estado brasileiro. E uma Justiça que, como regra, tem dado conta da tarefa de julgar os casos de corrupção que lhe são submetidos, tanto na primeira instância como nos tribunais superiores, com razoável celeridade.

É preciso rever e atualizar o discurso que ouço desde criança, de que no Brasil tudo acaba em pizza e de que quem tem dinheiro para pagar bons advogados nunca é punido. Como assim? Tem uma porção de gente importante e endinheirada já condenada e cumprindo pena. Alguns até já cumpriram suas penas e, agora, recebem o castigo mais pesado para qualquer político, que é o de viver no ostracismo, de não conseguir mais se eleger e de não poder sequer andar na rua, ir a um restaurante ou viajar em voos regulares, sem sentir na pele o repúdio da população. Além disso, também pela primeira vez na história do Brasil, os condenados estão ressarcindo os cofres públicos, em valores bilionários.

Acaba de ser preso e recolhido ao complexo penitenciário da Papuda, em Brasília, o último réu do “Mensalão”, que, condenado, tinha fugido para a Itália. O mundo ficou pequeno. Está cada vez mais difícil esconder-se ou esconder dinheiro de origem ilícita, por conta dos mecanismos de cooperação entre os países, fruto de tratados dos quais o Brasil é signatário.

Temos, por outro lado, uma imprensa livre, investigativa, implacável, que às vezes até exagera e comete injustiças. Mas – desde que assegurados o direito de resposta e a reparação de eventuais danos – isso é mil vezes preferível a uma mídia amordaçada, com censores nas redações, obrigada a substituir notícias desagradáveis ao governo por versos de Camões ou por receitas de bolo, como cansou de acontecer durante a ditadura militar. E não eram só jornais alternativos que eram vítimas da censura prévia. Isso aconteceu, o tempo todo, com veículos tradicionais, como Estadão, Globo, Jornal do Brasil, e com as emissoras de rádio e televisão.

Não consigo compreender que – em nome do desejo de apear o PT do poder, que hoje predomina no país –, defenda-se a troca de todos os extraordinários avanços que conquistamos nos últimos trinta anos por uma intervenção militar que faça uma faxina nos três poderes da República, e em muitos estados e municípios, o que certamente exigirá a suspensão dos direitos e garantias constitucionais. Um salto no escuro. Ou alguém imagina que, depois de “feito o serviço”, o poder militar se entregaria docemente ao controle da sociedade civil e marcharia disciplinadamente de volta para os quartéis? Na última vez, a escuridão durou 23 anos. Quanto duraria agora?

A política tem um tempo próprio. Não há dúvida de que, pela enorme frustração causada ao povo brasileiro, e a persistir o atual quadro político e econômico, o PT será varrido do poder, sim, talvez definitivamente, pela via democrática, nas eleições gerais de 2018. Mas o pleito municipal do próximo ano já deverá ser um traillerdo filme de terror que será a vida do PT daqui para frente.

Diga-se, a bem da verdade, que outros partidos políticos, de situação e de oposição, não deverão ter destino muito melhor. O mais provável é que forças novas galvanizem a opinião pública, dando consequência aos movimentos aparentemente caóticos, mas poderosos, que brotam hoje das redes sociais. Para o bem ou para o mal, isso já aconteceu, em situações semelhantes, na Itália, na Espanha e na Grécia, para citar apenas casos mais recentes e de maior visibilidade.

Independentemente disso, ainda há a possibilidade de o PT deixar o poder antes do previsto no calendário eleitoral, seja pela via do processo regular do impeachment, seja por uma sempre possível renúncia, diante de um quadro de completa ingovernabilidade.

Sendo assim, a tentativa desastrada de acelerar o processo, pela via rápida da intervenção militar, torna-se ainda mais indefensável. Mesmo que ela desse certo, no sentido de fazer uma rápida “higienização” do quadro político brasileiro (como os defensores desta solução, ingenuamente, imaginam ser possível), os seus efeitos colaterais seriam absolutamente indesejáveis. Destaco apenas alguns: (1) o nosso inevitável retrocesso a um estágio de subdesenvolvimento político e institucional; (2) a transformação dos culpados em vítimas, talvez em heróis da resistência, dando ao PT o único discurso capaz de garantir a sua sobrevivência política, mesmo que numa possível clandestinidade; (3) a criação de um ambiente pouco amigável para os negócios. No mundo de hoje, ditaduras espantam investimentos ao invés de atraí-los, porque, paradoxalmente, elas são muito mais imprevisíveis do que os regimes democráticos.

Mencionei, logo no início deste texto, o colapso do nosso sistema de governança. Aos que possam vislumbrar aí contradição com o que defendi a seguir, saliento que, em nenhum momento, pensei em falência da democracia, mas, sim, na (des)organização do estado brasileiro, na forma de governo, no sistema eleitoral, nos partidos políticos etc.

Os discursos raivosos e maniqueístas, aos quais tanta gente bem intencionada tem reduzido o seu senso de cidadania, não ajudam a construir um país melhor. Seria muito mais positivo e produtivo – diante do nó político e do impasse fiscal que paralisa o país – direcionar toda essa energia cívica, essa “ira santa”, a um movimento nacional de grandes proporções que torne irreversível a reforma política, tão falada, tão esperada e nunca enfrentada verdadeiramente. Mais do que isso, que obrigue a reforma do Estado brasileiro, de alto a baixo, em seus aspectos organizacionais e operacionais.

Mas isso será tema de um próximo artigo.

Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.

Fonte: NTC&Logística

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